sexta-feira, 6 de abril de 2012

Um "sim" para a vida!

"Nós, que somos homens do conhecimento, não conhecemos a nós próprios; somos de nós mesmos desconhecidos e não sem ter motivo. Nunca nós nos procuramos: como poderia, então que nos encontrássemos algum dia? Com razão alguém disse: "onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração". Nosso tesouro está onde se assentam as colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre no caminho para elas como animais alados de nascimento e recolhedores do mel do espírito, nos preocupamos de coração propriamente de uma só coisa - de "levar para casa" algo. No que se refere, por demais, a vida, as denominadas "vivências" - quem de nós tem sequer suficiente seriedade para elas? Ou o suficiente tempo? Jamais temos prestado bem atenção "ao assunto": ocorre precisamente que não temos ali nosso coração - e nem sequer nosso ouvido! Antes bem, assim como um homem divinamente distraído e absorto a quem o sino acaba de estrondear fortemente os ouvidos com suas dozes batidas de meio-dia, e de súbito acorda e se pergunta "o que é que em realidade soou?", assim também nós abrimos às vezes, os ouvidos depois de ocorridas as coisas e perguntamos,surpreendidos e perplexos de tudo, "o que é que em realidade vivemos?, e também " quem somos nós realmente? e nos pomos a contar com atraso, como temos dito, as doze vibrantes campainhas de nossa vivência, de nossa vida, de nosso ser - ah! e nos equivocamos na conta... Necessariamente permanecemos estranhos a nós mesmos, não nos entendemos, temos que nos confundir com outros, e, em nós servirá sempre a frase que disse "cada um é para si mesmo o mais distante" continuamos a nos considerar "homens do conhecimento"". (NIETZSCHE, Genealogia da Moral, Prólogo)
O despertar não acontece, ele vem acontecendo... Minha caminhada começou em 1975. Mal nasci e já tinha endereço, telefone, nome, sobrenome e um número num livro. Me habituei a me expressar de determinada forma, por inúmeras razões; falo deste jeito e não de outro, pelas mesmas inúmeras razões. Estudei, me formei e trabalho. Faço isso: trabalho. Vou e volto todos os dias - passo oito horas lá; me relaciono com as pessoas, faço compras, pago contas, passeio, me divirto, repito coisas que ouço... Aprendo, repasso, planejo, sonho, mas quantas vezes me pergunto: "o que sou?" O que de fato sou? Sou matéria, pele, músculos, ossos, nervos, cabelo... Quando me alimento, a comida passa da boca, pela umidade e aspereza da língua, para a garganta e depois é processada e defecada (na melhor das hipóteses). Sou corpo, sou movimento; muitas células nascem e morrem em mim; há um dinamismo, ainda que eu esteja deitada e inerte; cresço, envelheço e morro, aos segundos, como tudo o que é vivo. Pois então, durante o tempo em que durar esta matéria orgânica que somos todos, talvez valha à pena se perguntar: "quem somos na realidade"? Para responder, minimamente, a esta pergunta, é necessário ser corajoso, pois significativa parte do que somos/estamos, prende-se a uma moral. O que pensamos, sentimos, dizemos (isso então..), sofremos, está atrelado, costurado fortemente a uma moral. Ou seja, a regras, a imposições, repressão e mutilação do corpo; tudo o que é externo à nossa existência - esta matéria rica, dinâmica e vigorosa, por excelência! Adiantamos nossa morte, porque vivemos na morte! Sim, somos os responsáveis por frear o dinamismo do nosso corpo, nossa vitalidade!! "O medo é o pai da moral", bem disse Nietzsche, e nos entregamos à ele com extrema confiança, acreditando mesmo que ele nos protegerá, nos salvará! E assim, doutrinados que somos, viciados em cartilhas que nos "ensinem" a viver, quando - com muita sorte e empenho - nos deparamos com a vida, com a energia vital, queremos morrer, pois não a suportamos, porque não a entendemos! Vivemos de estabelecer metas inatingíveis, porque a busca por algo que não seja o que somos nos faz parecer maiores, mais elevados, superiores... Há nobreza nisso, uma "alegria triste", segundo Deleuze. A castração de nossa capacidade de criar, de realizar algo de nossa potência é exercida pela moral, tão imanente dessa construção social na qual nos encontramos metidos. Uma potência realizada é uma possibilidade de produção de alegria, de estar em sintonia com nossa própria existência; é ser livre! Libertar-se deste concreto da moral é, pois, nossa única chance de "ser" no mundo!!

3 comentários:

  1. No Comments... (Carol Linda Cunha) Adorei e já copiei !

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  2. Crescer provoca uma dor prazerosa, semelhante a muitas outras que conhecemos ao longo da vida. Já sei, vai me dizer que não existe dor prazerosa. Existe, sim, e a experimentamos algumas vezes enquanto estamos por aqui e é o próprio autoconhecimento que nos presenteia com isso.

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