segunda-feira, 30 de abril de 2012

Fiando... Desfiando... Desafiando.

Algumas descobertas nos fazem mudar o caminho e não há como voltar! Tenho lido bastante ultimamente. Uma leitura retalhada, de vários trechos de livros e artigos, ao mesmo tempo. Esta pequena façanha me remete ao ofício de uma costureira, que confere unidade a diferentes remendos desiguais - algo como um patchwork; um trabalho a partir dos retalhos. Os diversos formatos e cores destes trechos ou pedaços vão compondo, uma vez costurados ou alinhavados, idéias e rumos, que retornam, de modo sustentável, às minhas ações diárias. Num destes trechos, recortes, pedaços, reencontrei Foucault. Já tinha sido apresentada à ele, anos atrás, na faculdade de Direito, mas não lhe dei grande importância na ocasião - certamente porque não estava preparada para ouvi-lo, fascinada que estava pelo Direito. Nosso reencontro veio pelo YouTube. Sim, esta pequena-grande ferramenta dentro da janela que é a internet. Acessando aos vídeos de alguns filósofos - buscando inspiração para finalizar minha dissertação de mestrado - caí nos braços de Foucault! De um jeito leve e alegre ele apresenta suas leituras sobre as instituições e o poder; sobre a figura do juiz e a loucura. Quem nunca assistiu ou leu, POR FAVOR, faça isso urgente! Mas pra quem, além de curioso, trabalha com o Direito, CUIDADO! O conteúdo é altamente transformador e, na melhor das hipóteses, você estará diante de uma pequena revolução! Se depois, extasiado, você se atrever a prosseguir nesta caminhada, aviso-lhe que é caminho sem volta! Impossível fazer audiências da mesma forma após ler o genial diálogo de Foucault sobre o juiz; impossível encarar o próprio Direito da mesma forma! A questão é que tanto sacolejo resvalou bonito em minha dissertação, já praticamente costuradinha e pronta! Como prosseguir agora? Tento alguns ajustes para adaptá-la aos novos retalhos, não posso mais prosseguir sem estas alterações, pois "A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará a seu tamanho original" (Einstein). Não posso mais voltar atrás nem seguir, simplesmente, pois não sou no mundo, vou sendo... Me transformo como os retalhos; as sobras do que já fui se reciclam em novas idéias, em novos rumos... Seguir a partir deles é imperativo! Seguir para além do que carrego e trago em mim; para além do que me amarra e me determina; contagiar e ser contagiada! Como diz Foucault sobre o juiz - que ele quer ser absolvido pelo réu -, digo que o que queremos todos é a absolvição e o alívio de nossas prisões! O convite ao paraíso por mérito! No fim, ser agraciado com uma morte digna sujeita à compaixão dos demais, na certeza de termos levado uma vida de pessoa de "bem". Mas... "E se no 'bom' houvesse um sintoma regressivo, como um perigo, uma sedução, um veneno, um narcótico, mediante o qual o presente vivesse como que às expensas do futuro? Talvez de maneira mais cômoda, menos perigosa, mas também num estilo menor, mais baixo?... De modo que precisamente a moral seria culpada de que jamais se alcançasse o supremo brilho e potência do tipo homem? De modo que precisamente a moral seria o perigo entre os perigos?..." (Nietzsche). Se não existe um 'bem em si'; se o que expressamos e representamos são apenas convenções... Só há ordem de mim para mim mesma! Portanto, não espere de um "juiz", a absolvição. Lembre-se de Foucault: "O juiz quer ser absolvido pelo réu" e não o contrário!!!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Um "sim" para a vida!

"Nós, que somos homens do conhecimento, não conhecemos a nós próprios; somos de nós mesmos desconhecidos e não sem ter motivo. Nunca nós nos procuramos: como poderia, então que nos encontrássemos algum dia? Com razão alguém disse: "onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração". Nosso tesouro está onde se assentam as colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre no caminho para elas como animais alados de nascimento e recolhedores do mel do espírito, nos preocupamos de coração propriamente de uma só coisa - de "levar para casa" algo. No que se refere, por demais, a vida, as denominadas "vivências" - quem de nós tem sequer suficiente seriedade para elas? Ou o suficiente tempo? Jamais temos prestado bem atenção "ao assunto": ocorre precisamente que não temos ali nosso coração - e nem sequer nosso ouvido! Antes bem, assim como um homem divinamente distraído e absorto a quem o sino acaba de estrondear fortemente os ouvidos com suas dozes batidas de meio-dia, e de súbito acorda e se pergunta "o que é que em realidade soou?", assim também nós abrimos às vezes, os ouvidos depois de ocorridas as coisas e perguntamos,surpreendidos e perplexos de tudo, "o que é que em realidade vivemos?, e também " quem somos nós realmente? e nos pomos a contar com atraso, como temos dito, as doze vibrantes campainhas de nossa vivência, de nossa vida, de nosso ser - ah! e nos equivocamos na conta... Necessariamente permanecemos estranhos a nós mesmos, não nos entendemos, temos que nos confundir com outros, e, em nós servirá sempre a frase que disse "cada um é para si mesmo o mais distante" continuamos a nos considerar "homens do conhecimento"". (NIETZSCHE, Genealogia da Moral, Prólogo)
O despertar não acontece, ele vem acontecendo... Minha caminhada começou em 1975. Mal nasci e já tinha endereço, telefone, nome, sobrenome e um número num livro. Me habituei a me expressar de determinada forma, por inúmeras razões; falo deste jeito e não de outro, pelas mesmas inúmeras razões. Estudei, me formei e trabalho. Faço isso: trabalho. Vou e volto todos os dias - passo oito horas lá; me relaciono com as pessoas, faço compras, pago contas, passeio, me divirto, repito coisas que ouço... Aprendo, repasso, planejo, sonho, mas quantas vezes me pergunto: "o que sou?" O que de fato sou? Sou matéria, pele, músculos, ossos, nervos, cabelo... Quando me alimento, a comida passa da boca, pela umidade e aspereza da língua, para a garganta e depois é processada e defecada (na melhor das hipóteses). Sou corpo, sou movimento; muitas células nascem e morrem em mim; há um dinamismo, ainda que eu esteja deitada e inerte; cresço, envelheço e morro, aos segundos, como tudo o que é vivo. Pois então, durante o tempo em que durar esta matéria orgânica que somos todos, talvez valha à pena se perguntar: "quem somos na realidade"? Para responder, minimamente, a esta pergunta, é necessário ser corajoso, pois significativa parte do que somos/estamos, prende-se a uma moral. O que pensamos, sentimos, dizemos (isso então..), sofremos, está atrelado, costurado fortemente a uma moral. Ou seja, a regras, a imposições, repressão e mutilação do corpo; tudo o que é externo à nossa existência - esta matéria rica, dinâmica e vigorosa, por excelência! Adiantamos nossa morte, porque vivemos na morte! Sim, somos os responsáveis por frear o dinamismo do nosso corpo, nossa vitalidade!! "O medo é o pai da moral", bem disse Nietzsche, e nos entregamos à ele com extrema confiança, acreditando mesmo que ele nos protegerá, nos salvará! E assim, doutrinados que somos, viciados em cartilhas que nos "ensinem" a viver, quando - com muita sorte e empenho - nos deparamos com a vida, com a energia vital, queremos morrer, pois não a suportamos, porque não a entendemos! Vivemos de estabelecer metas inatingíveis, porque a busca por algo que não seja o que somos nos faz parecer maiores, mais elevados, superiores... Há nobreza nisso, uma "alegria triste", segundo Deleuze. A castração de nossa capacidade de criar, de realizar algo de nossa potência é exercida pela moral, tão imanente dessa construção social na qual nos encontramos metidos. Uma potência realizada é uma possibilidade de produção de alegria, de estar em sintonia com nossa própria existência; é ser livre! Libertar-se deste concreto da moral é, pois, nossa única chance de "ser" no mundo!!