terça-feira, 12 de agosto de 2014

Nem cuspe nem giz!

A sala está agitada. Barulheira do primeiro dia, do primeiro período, do começo. É tudo novo! Os corpos se agitam. Vou chegando, me apropriando do espaço. Os alunos me observam, mas até que eu fale algo, sou uma intrusa. É preciso falar para quebrar o gelo. Começo, então, pelo começo. Apresento-me, vou com calma, papeando, sentindo a turma. Apresento o assunto com leveza, quero conquistá-los antes de me adentrar em temas mais complexos. Tudo tem sua hora e toda turma tem suas características próprias, sua temperatura. Por isso minhas aulas acabam sendo distintas para cada turma, apesar de o conteúdo ser o mesmo, quando se trata da mesma disciplina. Percebe-los é minha primeira lição de casa e levo-a muito a sério.

Não me lembro de ter querido algum dia ser professora. Nunca me imaginei assim! O mestrado me levou à sala de aula tão naturalmente que nem parei muito para refletir sobre o assunto. Parece que fui escolhida ao invés de escolher. Embarquei nessa e agora quero mais e mais. Tô viciada!

O período passado foi um divisor de águas, do que experimentei até agora. A disciplina era Direito e Cidadania para turmas de Engenharia de Produção e Civil. Pensei: Vou ter que fazer mágica para atrair o interesse desses futuros engenheiros! Fui com calma, sentindo a turma... Com o tempo passamos a discutir filosofia, política, ética, violência urbana, tráfico de drogas, desigualdade social... Temas complexos! Certo dia levei um livro para sala de aula: "Homens Invisíveis: Relato sobre uma humilhação social", de Fernando Braga da Costa. Uma tese de mestrado de Psicologia Social da USP, que virou livro e que descobri por acaso na biblioteca da própria faculdade. Que tema! Não pude resistir! Tinha que levar aquilo tudo para sala de aula! E foi o que fiz. Primeiro, queria que os alunos entrassem no clima do livro, pra isso fiz uma nota introdutória. Expliquei quem era o autor, qual havia sido sua experiência para escrever o livro (ele havia trabalhado com os garis da USP por 9 anos), sua motivação e tudo mais... Depois escolhi, à dedo, um trecho que fosse bastante significativo e que reunisse o espírito da tese em poucas palavras pra não ficar enfadonha a leitura. Ah, foi absolutamente fantástico o impacto daquelas frases! A sala parecia um santuário! O silêncio era tanto que vez ou outra olhava por cima do livro para ver se haviam dormido ou saído todos. Que nada, estavam todos ali, se entregando e se emocionando com cada palavra. A turma adorou! O tema rendeu muitas aulas depois. Não foram poucos os emails que recebi de alunos querendo saber mais, pedindo mais aulas sobre o assunto. Indiquei-lhes o livro para e muitos pesquisaram a respeito na internet e fizeram questão de relatar experiências pessoais. Foi um sucesso!

Desde então chego com um projeto em sala de aula. Uma ideia para ser absorvida, mas que está aberta a negociação. Claro, há o plano de ensino e os objetivos do curso, mas há também muito espaço para criação e é desta parte que mais gosto! Levo um roteiro e uma proposta e os alunos aderem e vêm comigo ou não. E é daí que partimos por outros caminhos - novos caminhos construídos a partir destes encontros.

Esta é a magia! Não vejo outra razão que me leve às salas de aula...

Lembro muito da minha mãe, de suas aulas, de seu empenho e paciência. Lembro também do meu pai e de suas aulas teatrais, cheias de gestos e exemplos que mais parecem roteiros de filmes... Bebo na fonte dos dois e na de muitos outros mestres, dentre eles, Gilles Deleuze, para quem "uma aula é uma espécie de matéria em movimento".

Sigo, pois, em movimento...