sábado, 29 de outubro de 2011

Diário do CRAS

Um dia no CRAS não é como um dia de trabalho qualquer.

Sexta-feira, chego para mais um dia de atendimento. Hoje estou no Siderlândia.

A equipe do CRAS é admirável! Taninha, a coordenadora, está de férias. Neste dia estamos em seis: A brilhante e competente psicóloga Renata; a guerreira Julinha, pau para toda obra; Tayane, orientadora do Projovem; Natália, assistente social vinda do Dom Bosco; nossa querida Celinha, que é apoio - e faz uma comida deliciosa - e eu.

Dia agitado!! Sempre são muitos os atendimentos desta regional. Nesta sexta, porém, fiz algo atípico: Fui a uma visita domiciliar, a chamada "busca ativa". Visitei, juntamente com a psicóloga Renata, a casa humílima de uma usuária, que reside com seus dois filhos e o marido. Sua situação: Mãe de um bebê de três meses que tem peso de feto. A criança é incrivelmente pequena, quase impossível pegá-la no colo! O pai trabalha, mas é alcoolista e seu dinheiro - o único da casa - vai todo para o bar. A mãe, moça jovem, dona de casa, não reconhece a violência em que vive e diz estar bem. Sua preocupação é apenas o alimento da filha, de três meses e do filho, de 1 ano. O CRAS juntamente com o PSF (Posto de Saúde da Família) estão fornecendo o NAM que a criança precisa tomar, já que a mãe não conseguiu amamentá-la por causa de remédios fortes prescritos em função de outros problemas de saúde. O pai, num dia, bêbado, tomou o NAM da filha que por ter ficado sem alimentação quase morreu. Era final de semana e não havia ninguem no CRAS para repor o NAM perdido. Desde então, a equipe fornece o NAM de acordo com a necessidade, e vão entregando um de cada vez.

A criança está sendo acompanhada pela equipe do Hospital do Retiro que foi quem a encaminhou para o CRAS - Chamado "trabalho em rede", previsão do SUAS (Sistema ünico da Assistência Social).

Minha orientação: Vamos pedir alimentos ao pai. Mesmo vivendo sob o mesmo teto da criança e da mãe há previsão legal. Em condições extremas, como as que lidamos, toda ajuda parece nada! Estamos enxugando gelo! Mas se o pai cumprir a sentença, já estará bom. Caso contrário poderá ser preso, o que neste caso causaria mais problemas. Enfim...

Antes que questionem - quem acaso estiver lendo - esta família não pode ser incluída no programa Bolsa Família, pois a renda per capita ultrapassa o máximo exigido. O pai é alcoolista, mas recebe seguro desemprego (tinha vínculo empregatício) e mais R$150,00 por semana, do trabalho que faz agora.

O porque da visita domiciliar? Bem, a psicóloga Renata que acompanha a mãe e as crianças, encaminhou a usuária para mim, mas ela não foi por duas vezes e por isso fomos até ela. Busca ativa!

Nossa pretensão surtiu efeito: A mãe e uma vizinha, em situação similar, foram ao CRAS e eu as atendi. Conversei calmamente com as duas, que inicialmente estavam arredias. Na conversa, a pouca idade de ambas - as duas poderiam ser minhas filhas - revelou uma vida sofrida, de grandes dificuldades e desamparo. Atendimento encerrado, nos despedimos. Na semana que vem irão me entregar os documentos que lhes pedi. Primeiro passo, suado, foi dado. Agora é aguardar.

À tarde fui a outra visita domiciliar, agora solicitada pela Secretaria. Bairro: Padre Josimo - ao qual carinhosamente chamamos "Padre". A equipe era: Minha querida parceira Beth, da CAPED; Cintia, da APADEM; Jaqueline, assistente social do CREAS, a coordenadora do CRAS Padre Josimo e eu. Conhecemos uma mãe de seis filhos, sendo três portadores de alguma deficiência física e/ou mental. Moram todos em três minúsculos cômodos, quentes, insalubres. O pai das crianças não mora na casa, vem esporadicamente. Possui uma parte exclusiva na casa - um cômodo com banheiro em melhores condições - sem acesso para dentro, onde ficam as crianças e a mãe. O casal não vive mais maritalmente, mas ele ajuda, quando vem. De resto a mãe e as crianças vivem com um BPC (LOAS), verdurão e cesta básica dados pelo CRAS.

Nosso entendimento: Vamos buscar um acordo entre os pais das crianças e melhorar as condições da casa com algumas obras necessárias. Tentarei ajustar uma pensão alimentícia para os filhos.

Já são 16h quando volto para a Secretaria. Reflito um pouco mais sobre o que vi, ouvi, senti. Organizo a papelada, libero mais umas petições, respondo a alguns despachos. Passo para meus assistentes a pauta do dia e da semana. Organizamos nossas agendas. Eles me contam como foi o dia e quais são as pendências. Separo a pasta do próximo atendimento. Tenho audiência pra fazer na segunda... Eles vão embora. Fico ainda um pouco mais. Sou chamada ao Gabinete, mais um último caso. Agora apenas uma consultoria rápida. O caso é criminal. Dou as informações e me vou.

Mais um dia cumprido. Me sinto cansada, mas motivada. Amo o que faço e faço com amor. Acredito! É possível seguir, mudar algo, tocar algo. Enxugo gelo sim, mas existem trocas. Hoje troquei um sorriso com a mãe do Siderlândia, nos abraçamos. A pequenina bebezinha era minúscula, mas sorriu bonito pra mim. No Padre, a mãe dos seis filhos nos recebeu com satisfação. Sentiu-se amparada, e estava. Éramos um batalhão de mulheres! Nos entendemos como mulheres. Aquela dupla, tripla, jornada, o pai trabalhando fora, distante... Ausente! Um dos seis meninos chegava da escola, naquele momento. Olhou para a mãe e disse: "Vou tirar a mochila, tá mãe?". Esta história é, em parte, de todas nós!! Estávamos em casa, entre mulheres...