segunda-feira, 16 de julho de 2012

Nossa deficiência de cada dia

Leio nossa Constituição Federal e me sinto habitar um paraíso. Um paraíso de democracia cintilante! O artigo 5 º me faz estufar o peito de orgulho: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, mas aí acordo, levanto da cama, engulo um café e saio a caminho do trabalho. No trajeto me ponho a pensar...

Fazia um belo dia, manhã ensolarada, bonita que só! Da janela do ônibus vi a cidade acordando, entrando no ritmo. Ao descer e tomar o caminho do trabalho notei uma senhora tentando se movimentar sobre sua cadeira de rodas, com imensa dificuldade. Ela estava bem a minha frente, lhe ofereci ajuda e ela aceitou. Fomos juntas até seu destino. Desviava um pouco do meu e por isso tivemos tempo para conversar; inicialmente, como estranhas, e tão logo, como amigas próximas. Evidente que nossa amável conversa foi interrompida inúmeras vezes para que pudéssemos desenvolver uma estratégia rápida de como chegar ao outro lado da rua, ou de como desviar de alguma “cratera”, ou simplesmente de como descer da calçada! Foram tantas as interrupções que, para podermos continuar a conversa, com alguma tranqüilidade, foi preciso tomar outro caminho, mais lisinho e plano e, claro, mais distante. Minha recém amiga compartilhou comigo sua rotina e sua luta diária para dar conta de atividades cotidianas e simples como a de caminhar. A cidade não está preparada para ela... AINDA! Os acessos às vias são poucos e os que existem estão gastos ou mal sinalizados. Muito do que existe para facilitar, mais causa transtornos do que outra coisa. Um exemplo são os elevadores dos ônibus. Poucos, dos que vi, funcionam e mesmo assim estão consignados à boa vontade do motorista, que precisa deixar a direção e ajudar o passageiro a subir. Uma verdadeira operação militar (nada inclusiva) diante da qual muitos desistem. Recordo-me de uma palestra em que ouvi um cientista político dizer ter ficado perplexo quando de sua viagem à Holanda, em virtude do número de cadeirantes que havia naquele país. Logo depois ele percebeu seu equívoco: não é que a Holanda possuía um grande número de cadeirantes, é que ali eles circulavam pelas cidades como todo mundo! O direito de ir e vir, ou melhor, de poder escolher aonde ir cabe a todos nós! É de cada um o direito de decidir que caminho seguir, e não da infra-estrutura da cidade! Igualdade é um princípio anatômico que deve tomar a forma de cada um de nós e não o contrário! De nada adianta assumirmos um compromisso como grupo se este compromisso não se sustenta em nossas práticas individuais! Somos todos cabeça, corpo e membros uns dos outros, como coletividade! Então, por favor, façamos a nossa parte! Se temos um pescoço, viremos a cabeça!