domingo, 5 de fevereiro de 2012

Uma coisa é a lei, outra coisa é o resto!


Aqui no blog procuro me dedicar ao prazer de escrever sobre alguns de meus pensamentos, devaneios, medos, invenções. Gosto do som de algumas palavras, da leveza que me parecem ter. Adoro buscar melancolias dentro de mim, angústias, só para poder tentar falar a respeito. Chego a inventar sensações quando quero fazer uso de alguma expressão que talvez não vá combinar com outro contexto. Enfim, gosto do teatro das palavras! Da dramatização de um pensamento! Do exercício de poder ser outra pessoa, através do que escrevo, assim como o ator faz, ao interpretar uma personagem. Mas embora haja esse prazer todo no que costumo escrever aqui, grande e importante parte do que faço, fica de fora deste blog.

Trabalho como advogada e atendo à população mais carente da minha cidade. Há cinco anos tenho desenvolvido trabalhos em locais onde há grande violência, pobreza, desespero, medo e inúmeras dificuldades sociais, econômicas, de saúde... Meu trabalho é acolher, atender e, se possível, atenuar problemas. Difícil empreender todos os dias estas tarefas sem deixar de acreditar que, de alguma forma, sou capaz disso!

Ouço histórias o dia inteiro; relatos de vidas, de misérias e de muitos problemas; lamentos, lágrimas, pedidos, revoltas, mágoas, dor e esperança. São vozes que caminham comigo, mas não de maneira pesada e ruim. Nada disso! Elas ficam em mim para serem digeridas. Deste processo surgem idéias que às vezes geram soluções.

Me envolvo em cada uma delas, com cada uma das pessoas, inevitavelmente! E nem quero distanciamento de nada! “Manter uma distância segura”, nem sei o que é isso! Faço a advocacia que acredito, a única que sei fazer! E que se danem as convenções!

O trabalho é um constante laboratório pra mim. Me recuso a aceitar respostas prontas no Direito! Ah, faça-me o favor, estamos lidando com gente e gente muda! As necessidades mudam! O tempo muda! O Direito não pode ser tão engessado! Por esta razão mesmo, não posso aceitar só um caminho, só uma via! Há casos que pedem respostas alternativas, pedem mais do que o que já está pronto. Para estas situações, meus caros, o Direito fecha as portas.

Quando digo “O Direito” estou me referindo a tudo o que ele envolve e não só à lei, doutrina, jurisprudência, mas a tudo, todos os serviços, acessos, entendimentos...

E sabem o que vejo? Muitas pessoas não podem ingressar com suas demandas – e não ingressam mesmo – por NÃO TEREM TODA A DOCUMENTAÇÃO EXIGIDA! Mas aí vocês podem me questionar: Pô, mas sem provas, fica difícil, né? E QUEM FALOU EM PROVAS? Estou falando de documentos absurdos, desnecessários, de exigências infindáveis e excessivas. Resumo: Quem é pobre tá lascado!

Muitas das pessoas que atendo já passaram pela Defensoria Pública, mas não abriram seus processos e não resolveram suas pendengas porque a quantidade de documentos era impossível de se produzir!

Eu ignoro solenemente muitas dessas exigências e só fico com as fundamentais. Providenciei até um formulário para atestar a residência de quem não tem como prová-la - e a maioria não tem mesmo – e dou entrada com o que temos. No desenrolar do processo, vou vendo no que dá; empurro goela abaixo! O Ministério Público só falta me exigir a tampa da margarina consumida no início do relacionamento para comprovar uma união estável, por exemplo! E a “prova inequívoca” de que a criança no ventre da mãe é mesmo do suposto pai, em casos de alimentos gravídicos? Ahhhhh tenha dó!

Num desses casos, aliás, de exigência de prova inequívoca na gravidez, o processo demorou tanto que a mãe ganhou a criança. Daí ela levou o bebê a audiência e eu o coloquei sobre a mesa e disse ao juiz, em tom maroto: “Eis aí a prova inequívoca, Excelência!”. Pelo menos renderam gargalhadas e, claro, a pensão.